Agarro-me ainda num filete de esperança a uma forma mais justa de governar e, antes, de atingir o poder. Por isso, declaro o meu voto – de artista escritor talvez - para Ana Júlia. É-me muito caro ver a doação (espero que sazonal, em nome da tal estratégia) da indulgência ao maior dos corruptos do Pará, do mandante do massacre em El Dourado e do falso oftalmologista (não cito nomes em razão do pavor em ser processado e sentenciado por “crime de calúnia”). É-me tão igual caro ter que fazer essa opção pela candidata que aquiesce com essa legião de famintos , chamada antes apaixonadamente de militância, que, por dez reais, sacode nas ruas a bandeira com a sua propaganda política. Ainda que discordando com esse tipo vergonhoso de “distribuição de renda”, ou “bolsa bandeira”, procedimento historicamente adotado pelos inescrupulosos, jamais me inclinaria a dar apoio a esse grupo que sempre fez pouco caso dos direitos elementares do homem e que, para atingir o poder recorre a métodos subtraídos ao fascismo, como a utilização de temas de ordem religiosa e sexual. Ou argumentos ridiculamente deprimentes, como se fôssemos idiotas, tal esse sobre parte da copa do mundo que será jogada em Manaus...
Primeira Parada do Orgulho dos Sem-Orkut e Genéricos
Por muito pouco, nos últimos dez anos, não cedi à febre que se abateu sobre a epiderme das pessoas do mundo inteiro e não mandei estampar uma marca indelével em qualquer ponto visível da minha própria pele. Como todo sujeito que esteve escudado apenas pelo antitérmico do seu fórum íntimo, caí no constrangimento peculiar que sofre as minorias ante a mira de olhares, quer nas vias públicas, quer no trabalho, a vasculhar sobre a minha figura à procura da tal tatuagem. Cadê a prova cabal - indagavam-se as retinas - de que eu não era um diferente e, por conseguinte, não estava contido no quadro da grande maioria?
E não estava mesmo. Por opção, eu pertencia ao grupo ínfimo, diferente, que se fecha em si mesmo e evita confrontar-se com a carga de escárnio, piadinhas maldosas e coisas do gênero que costumam vir do lado oposto. Por muito tempo, por exemplo, deixei de ir à praia, na intenção de evitar que, ocupando eu o menor traje permitido e longe das mangas compridas que eu recorria para proteção, aparecesse aquele menino e dissesse à mãe, abismado: “E ele fala!”
Não é de outra forma que resisto à febre quase que terçã do orkut, embora tenha experimentado entrar ultimamente no seu primo-irmão de tolice e vazio, o “facebook”.
Formulei esta posição a partir da contramão da sugestão de algumas figuras, de renome nacional ou próximas, que falavam entusiasmadas da nova maravilha. Ora, não é conceituação prévia, mas sempre é bom e recomendável seguir no sentido contrário ao que prega uma Xuxa, Carla Peres ou Gugu Liberato.
O quê?! Você não tem orkut?! - quantas vezes me vi ilhado por esse tipo de indagação e tive de sair de fininho para não cair no alvo da ridicularização...
Se saímos, minha família e eu, ilesos à onda da tatuagem no corpo, não tivemos sucesso pleno na febre do orkut. Lá atrás, minha esposa e eu conseguimos frear o desejo de nossas meninas, na época com 14 e 16 anos, com o argumento quase que autoritário de que fariam a bendita tatuagem quando fossem donas dos próprios narizes. Ambas atingiram esse estágio e o desejo da tatuagem, felizmente, ficou apenas como uma cômica lembrança do passado. Não obstante, por essa mesma época também, as duas foram tragadas pela pandemia do orkut, ainda que tivéssemos acrescentados à profilaxia doses maiores de livros e muito papo.
Não houve escapatória, e o jeito, como se deve fazer com qualquer conjunto de sintomas que levam a uma síndrome, foi estudá-la e torcer para que a impressão inicial advinda dos famosos estivesse errada.
Não estava, infelizmente. Por entre a fresta do orkut das “meninas”, deparei-me com uma imensa “comunidade” que, a princípio, poderia até encantar a um socialista que conheceu Marx apenas através da boca de terceiros, dada a unidade de pensamento; que poderia até encantar também um leitor excitado que acharia estar diante de um novo gênero literário, o “de perfil”, à semelhança talvez do “de cordel”. Porém, além de uma arriscada rede que passa informações valiosas de seu cotidiano que podem cair em mãos inescrupulosas, isto de um lado, deparei-me, de outro, com uma imensidade de informações que não condizem com o real, pois, só para citar um exemplo, se fossem verdadeiros apenas dez por cento dos que se declaram leitores, nós estaríamos bem servidos enquanto nação próspera. O próprio “Bitôvi” ali apreciado teria um espaçozinho nas FM, estas, por sua vez, perversamente idênticas do Oiapoque ao Chuí.
Provocado, o corpo se vira com os seus anticorpos. Assim aconteceu com as minhas duas “meninas”, uma agora a meio caminho da engenharia de automação e a outra já em exercício da geo-física, que me ajudam neste momento a pegar o megafone e tentar organizar a Primeira Parada dos Sem-Orkut e Genéricos.
Em prol de nosso orgulho, vamos à luta!
Gafe sobre a ruína
Para quem tenta pela segunda vez chegar ao Palácio do Planalto, o candidato José Serra parece não ter avançado no seu ideário que pretende tomar nas mãos as rédeas do país. Pode-se até creditar a gafe ao momento de pesar e comoção geral por que passamos, em razão dos tremores que ainda irradiam e que por longo tempo se farão irradiar do epicentro Haiti, mas ouvir-lhe dizer que a médica Zilda Arns, à parte lá a sua vocação de freira sem hábito, é a grande responsável pela queda da mortalidade infantil, vamos respeitar, é no mínimo assinar um atestado de falta de tato e visão sobre os problemas concretos que se abatem sobre o Brasil, ou firmar uma incompetência durante os últimos vinte anos, doze dos quais, se somados os dois de Collor e os dois de Itamar, estiveram sob influência tucana.
Ora, se de fato a coisa se desse de forma tão simples e tão providencial como se vem pondo em difusão, que tal o candidato se aproveitar da ideia e debelar de vez com o problema da mortalidade infantil no Brasil, que a acompanha desde o seu próprio engatinhar, e criar o Ministério da Pastoral da Criança? Se a Pastoral realizou esse profundo milagre, imaginem-na dotada de recursos públicos próprios e ter um por cento somente da propaganda estatal para veicular seus propósitos? Seria muito interessante.
E que tal, aproveitando esse tipo de sociologia ministrada em porta de cabaré, ampliar essa mesma ideia e usar uma espécie de soro caseiro, em que se mistura livro e educação de qualidade, e acolher o saldo positivo da primeira fase do homem e protegê-lo em sua segunda fase com a criação do Ministério da Pastoral do Adolescente?
Vejo com algum desconforto o nível dos debates que se avizinha com a campanha à Presidência da República. O prenúncio é de que se fortifique a política do assistencialismo pelo assistencialismo, em detrimento de um planejamento verdadeiramente seguro e sério.